Decreto amplia papel institucional da primeira-dama Janja
No dia 28 de agosto de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 12.604, que transforma a estrutura administrativa da Presidência da República para ampliar a atuação da primeira-dama Rosângela “Janja” da Silva. O texto altera dispositivo de decreto anterior de 2023 e institui que o Gabinete Pessoal do presidente deve também “apoiar o cônjuge no exercício das atividades de interesse público”.
Com essa mudança, Janja passa a ter acesso formal aos serviços do Gabinete Pessoal — órgão responsável pela agenda, cerimonial, correspondências, acervo privado e manutenção de residências oficiais —, com respaldo institucional para sua atuação simbólica.
Diretrizes da AGU: limites e princípios para representação simbólica
O decreto publicado é compatível com uma orientação normativa emitida pela Advocacia-Geral da União (AGU) em abril de 2025, que já definia os contornos da atuação da primeira-dama ou cônjuge presidencial.
Natureza e caráter da função simbólica
Na orientação normativa (Orientação Normativa nº 94), o cônjuge do presidente é reconhecido como agente com uma natureza jurídica própria, derivada do vínculo civil com o chefe do Executivo, e autorizado a representar simbolicamente o presidente em ações culturais, sociais, cerimoniais, diplomáticas ou políticas, desde que não firme compromissos oficiais em nome do Estado.
Voluntariedade, não remuneração e prestação de contas
A atuação simbólica deve ser voluntária, sem remuneração, e obedecer aos princípios da administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da Constituição).
Cabem ainda obrigações de transparência: prestação de contas de deslocamentos e recursos públicos, divulgação da agenda pública do cônjuge e publicação de dados de despesas e viagens no Portal da Transparência.
A norma também prevê que, em casos onde haja risco para segurança ou privacidade, poderá haver restrições pontuais ao acesso público a certas informações.
Limitações e cautelas jurídicas
Apesar do caráter simbólico, a orientação deixa claro que o cônjuge não pode assumir compromissos formais em nome do Estado. Qualquer atuação formal exige respaldo legal ou autorização específica.
Além disso, a AGU recomenda a adoção de um fluxo administrativo interno que formalize essas representações simbólicas, conferindo legitimidade e segurança jurídica ao processo.
Como o decreto consolida a orientação normativa
O novo decreto presidencial insere explicitamente no escopo do Gabinete Pessoal a missão de “apoiar o cônjuge do Presidente da República no exercício das atividades de interesse público” — consolidando assim as balizas previstas na orientação da AGU.
A Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que esse acréscimo legal “consolida a Orientação Normativa nº 94 da AGU” e contribui para garantir transparência no desempenho das atividades da primeira-dama.
Na prática, Janja agora se insere formalmente na estrutura administrativa do Gabinete Pessoal, com respaldo institucional para receber atendimento formal e apoio técnico para sua agenda simbólica.
Ainda que não ocupe cargo público nem possua atribuições constitucionais, desde o começo do mandato ela já contava com uma equipe informal de apoio.
Estrutura existente e alcance do Gabinete Pessoal
O Gabinete Pessoal da Presidência da República tem sob sua responsabilidade:
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organização da agenda presidencial
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gestão do cerimonial oficial
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recebimento e resposta de correspondências
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formulação de pronunciamentos
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administração do acervo privado e histórico
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preservação das residências e palácios presidenciais
Essa estrutura é chefiada por Marco Aurélio Santana Ribeiro, conhecido como Marcola, que já lidera diversos setores como Ajudância de Ordens, Direção de Documentação Histórica, Cerimonial e Gabinete de Agenda.
Ao todo, o gabinete conta com 189 cargos comissionados e funções de confiança, distribuídos entre suas unidades.
Com o novo decreto, a convenção interna passa a formalizar a inclusão da primeira-dama entre os destinatários dos serviços desse órgão, dentro dos limites simbólicos permitidos.
Reações políticas, controvérsias e fiscalização
Nem todos enxergam o decreto e a orientação normativa com naturalidade. A deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP) protocolou requerimento pedindo esclarecimentos sobre os efeitos da norma, questionando se o documento configura uma tentativa de criar uma “autoridade pública paralela”, sem eleição e sem responsabilidade formal.
Entre as indagações, destaca-se a ausência de definição clara sobre qual órgão será responsável por fiscalizar, aprovar ou delimitar a atuação da primeira-dama, bem como o foro competente para eventual responsabilização em caso de atos públicos.
Do ponto de vista administrativo, algumas críticas apontam o risco de sobreposição institucional e de opacidade, caso as agendas e gastos não sejam divulgados com clareza. Há ainda quem veja uma simbiose de poder informal sem controle público efetivo.
Por outro lado, defensores afirmam que o decreto e a norma da AGU trazem segurança jurídica e formalizam algo que já ocorria na prática, ao mesmo tempo em que impõem limites claros e transparência.
Benefícios e desafios para a atuação da primeira-dama
Vantagens esperadas
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Maior formalidade e respaldo legislativo: a atuação simbólica agora tem base normativa consolidada.
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Transparência reforçada: exigência de prestação de contas, divulgação de agenda e dados públicos.
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Legitimação institucional: ao se inserir no Gabinete Pessoal, Janja passa a contar com suporte técnico formal.
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Clareza de limites: o decreto e a orientação deixam evidente que não cabe ao cônjuge firmar compromissos oficiais.
Desafios práticos
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Garantir que toda a atuação simbólica respeite os princípios da administração pública e não descambe para práticas ambíguas.
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Evitar vazios de fiscalização: é preciso que haja órgão responsável por controle e responsabilização.
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Manter a comunicação clara sobre gastos, deslocamentos e agenda, de modo a evitar críticas de opacidade.
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Administrar a linha tênue entre representação simbólica e atuação política, sem ultrapassar os limites legais.
Contexto institucional: a AGU e o papel do escritório jurídico da União
A Advocacia-Geral da União (AGU) é o órgão responsável por representar juridicamente a União e prestar consultoria no âmbito do Poder Executivo, além de atuar em defesa do patrimônio público.
Com a emissão da Orientação Normativa nº 94, a AGU assume papel central na normatização da participação simbólica do cônjuge presidencial. A instituição enfatiza que essa função não equivale a cargo público, mas exige observância aos deveres administrativos e princípios constitucionais.
A exigência de publicação de agenda e despesas no Portal da Transparência reforça a ideia de que não basta a normatividade — é imprescindível a execução pública e acessível dessas regras.
Perguntas que ficam e monitoramento futuro
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Como será exercido o controle efetivo sobre essa nova “atuação da primeira-dama” no dia a dia?
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Qual órgão público ficará encarregado de fiscalizar o cumprimento dos princípios e da prestação de contas?
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Em que grau o decreto será aplicado na prática, especialmente em deslocamentos internacionais e representações diplomáticas?
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Há riscos de judicialização caso a oposição ou órgãos de controle entendam que houve extrapolação?
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Como garantir que a divulgação de agendas e dados seja sistemática, atualizada e acessível à sociedade?
Nos próximos meses, será essencial acompanhar se as regras estatutárias caminham lado a lado com a transparência exigida e se o decreto encontra contornos claros e operacionais para se configurar como instrumento sólido de equilíbrio institucional.
Fonte:
https://www.poder360.com.br/